A cantora e compositora Sinéad O'Connor morreu aos 56 anos nesta quinta-feira (27). A causa do óbito ainda não foi divulgada. Ícone dos anos 1990 e voz do smash hit "Nothing Compares 2 U", a artista colecionou sucessos na mesma proporção que protagonizou polêmicas. Uma das mais famosas aconteceu ao vivo na televisão americana, na exibição do humorístico "Saturday Night Light" do dia 3 de dezembro de 1992.
Sinéad cantou acapella a música "War", eternizada na voz de Bob Marley. Ela fez adaptações na letra original para fazer um protesto contra o abuso infantil. No final da canção, logo após os versos "Temos confiança na vitória do bem sobre o mal", a cantora rasgou uma foto do Papa João Paulo II. "Lutem contra o real inimigo", disse ela, logo em seguida. A reação da plateia pareceu de choque: nem um aplauso, nem uma vaia, um completo silêncio tomou conta do estúdio.
Sinéad fez tudo pelas costas da produção do "Saturday Night Live" e utilizou a foto de uma criança brasileira durante os ensaios. Ela escolheu a imagem de um menor assassinado pela polícia para protestar contra as chacinas que aconteciam no Brasil naquele início de década. No entanto, desde o início, a artista já planejava o manifesto contra a Igreja Católica.
"Eu peço para o câmera dar zoom na foto no momento da apresentação. Eu não conto a ele o que eu estou planejando para mais tarde. Todos estão felizes. Uma criança morta lá longe não é problema de ninguém", disse Sinéad em seu livro de memórias, "Rememberings".
Em entrevista à revista TIME, Sinéad reforçou que a performance foi um protesto contra os casos de abuso infantil dentro da Igreja Católica e, principalmente, contra a tentativa da instituição de abafar os crimes durante anos.
"Não era sobre o homem, obviamente. Era a instituição e o símbolo da organização que ele [o Papa] representa. Na Irlanda [país natal da artista], temos a maior incidência da Europa de abuso de crianças. Isso é resultado direto do fato de não terem contato com a história do povo irlandês e do fato de, nas escolas, os padres baterem nas crianças por anos e abusá-las sexualmente", disse Sinéad.
A performance teve um simbolismo ainda maior: a foto do Papa rasgada por Sinéad pertencia à própria mãe, que praticava abusos físicos, sexuais e emocionais contra ela.
Sinéad sofreu uma série de consequências por conta do protesto: jogaram ovos em sua cabeça no meio da rua, foi vaiada a ponto de não conseguir cantar em um show em Nova York, foi proibida de aparecer na NBC, emissora do humorístico, pelo resto da vida e, claro, foi excomungada pela Igreja Católica, onde foi batizada na infância.
Apesar de a atitude ter custado parte de seu sucesso comercial, ela afirma que não se arrepende e até defende que o escândalo a colocou de volta ao que ela sempre desejou ser: uma artista de protesto.
"Sinto que ter uma música no topo das paradas destruiu minha carreira e rasgar aquela foto me colocou nos trilhos. Longe de destruir minha carreira, aquilo me colocou no caminho em que melhor me encaixava", comentou em seu livro.