A escrita pode ser uma aliada de pacientes com câncer de mama para ganhar força no tratamento. Prova disso é a experiência da jornalista Ivna Maluly, de 43 anos: em 2009, ela morava na Bélgica e descobriu um nódulo no seio. Com um filho pequeno, decidiu escrever sobre a experiência e criou o livro "Cadê seu peito, mamãe?", voltado para pacientes que, assim como ela, precisam explicar a mastectomia para os herdeiros ainda pequenos. Em conversa com o Purepeople, ela fala sobre a obra e sua vivência da doença para o canal Outubro Rosa, campanha realizada no mês de outubro para conscientizar as mulheres e a sociedade sobre a importância da prevenção e diagnóstico precoce do câncer de mama através da mamografia e do autoexame.
O diagnóstico de câncer de mama em uma forma agressiva, enfrentada apenas 20% de pacientes, veio durante férias no Brasil. "Já havia sentido o nódulo uns 3 meses antes, fui ao médico na Bélgica, ele disse que não tinha nada, mas precisaria repetir o exame 6 meses depois. Mas como sou de família de médicos, meu pai é médico e minha mãe já enfrentou um câncer, a gente achou mais prudente ir a um mastologista no Brasil. Aí fiz uma biópsia, fui diagnosticada e tive que fazer uma cirurgia para retirar o nódulo, mas acabou retirando o seio todo, porque havia 3 nódulos e esses nódulos estavam se comunicando. Como eu era jovem, tinha 34 anos na época, os médicos acharam melhor tirar o seio todo e fazer quimioterapia depois", afirma.
Mãe de Elias, à época com 4 anos de idade, a jornalista planejava contar para o menino a situação por, no passado, ter vivido uma experiência negativa relacionada à doença. "Desde o início, quando descobri, estava com a ideia de contar para ele, porque quando minha mãe teve câncer, eu fiquei muito nervosa, não tinha dinheiro para visitar ela na época e, como ele tinha 2 anos, não expliquei nada. Ele começou a ter algumas reações, como ficar com a pele vermelha, empolada e ficou meio nervoso. Quando o levei ao médico, ele explicou que era doença psicossomática", conta Ivna, relembrando as palavras da especialista: "'A criança de 2 anos não consegue verbalizar tudo que está acontecendo', me disse a médica. Ali ela me motivou a falar com ele, que a vovó estava doente e que a mamãe estava triste, mas que a vovó ia ficar boa. E, a partir do momento que eu falei com ele, a pele dele voltou ao normal, ele ficou feliz, eu consegui ficar mais tranquila".
Apesar dos planos de contar para o filho, Elias, de modo progressivo e conforme o tempo fosse passando, Ivna foi surpreendida pelo menino alguns dias depois da mastectomia. "Minha mãe estava fazendo curativo em mim com a minha irmã depois do banho e ele entrou no banheiro e começou a perguntar: 'ué, mãe, cadê seu peito?'", afirma a petropolitana, que também viu em seu psiquiatra um incentivo para escrever: "Ele falou: 'olha, você é jornalista, gosta de escrever, acho que seria uma boa relatar tudo isso'. Aí comecei a escrever sobre tudo, desde a descoberta da doença até o final dela". Uma amiga com carreira consagrada na literatura também foi determinante para Ivna decidir compartilhar sua história: Thalita Rebouças. "Ela me sugeriu de escrever o livro: 'pô, Ivna, sua história é linda, escreve um livro aí. Eu tava meio cansada, mas fui escrevendo os textos", diz. Um ano depois, em 2010, a obra foi lançada: "Ela conta de forma leve como explicar a doença para uma criança. Na verdade, não tem muito segredo, é ser franca: ir situando ela em todos os momentos e situações do dia a dia, sem ficar inventando muito, porque eles têm uma imaginação muito fértil."
Após a publicação, a jornalista quis dividir com mais pacientes sua obra, sabendo que ela poderia empoderar mais mulheres, assim como faz o trabalho da artista Annie Dannison com bonecas. "Comecei a ir a centros hospitalares, doei livros no Brasil e aqui fora. Sempre que tenho retorno, as pacientes ficam muito feliz porque é um livro para a família, não é um bê-a-bá sobre o câncer: é uma literatura quase poética sobre uma mãe doente e um filho preocupado. E as mãe adoram isso porque entendem que, na verdade, mentir, inventar, não é melhor caminho. O melhor caminho é ser sincera, porque a criança entende, passa por essa fase junto e entende que família não vive só de capítulos felizes", pondera Ivna. Com exemplares em francês e em inglês, o livro foi distribuído em organizações europeias de combate ao câncer, como o Institut Curie. "Eles compraram mil livros, em inglês e francês, para distribuir para os pacientes. Tenho só o que comemorar, acho que é um alento, a literatura faz isso, tem esse poder mágico de transportar o leitor para um outro mundo", vibra a autora.
Oito anos depois da publicação, Elias tem 13 anos e é um dos maiores entusiastas da carreira da mãe na literatura. "Hoje, ele dá conselhos para os amigos, diz que as mães vão ficar boas. E que a mãe dele escreveu um livro sobre este assunto! No início deste ano o professor de francês perguntou quem tinha um pai ou uma mãe com uma profissão interessante. Ele logo levantou a mão e disse: a minha mãe escreve livros. E ficou supercontente que eu estava lá na sala dele explicando como se fabricava um livro e pediu para eu falar que o menino do livro era ele, mas bem menor", conta Ivna, cheia de orgulho.
(Por Marilise Gomes)