Mais do que uma parte do visual, cabelo é um modo de expressar sua atitude, seu humor e seu estilo. E, no cenário atual, com o feminismo cada vez mais em voga, mais mulheres tem apostado no cabelo raspado, por diferentes motivos. Como no Purepeople acreditamos que quem faz seu estilo é você, conversamos com diferentes mulheres que deixaram de lado a cabeleira para curtir um visual mais fresquinho e não menos poderoso.
A estudante de jornalismo Vyk Barbosa decidiu raspar o cabelo durante uma viagem a São Paulo. "Queria provar pra mim mesma que sou bonita até sem cabelo, me desafiar!", explica a jovem, que viu sua liberdade aumentar com o novo visual. "Não só me sinto mais livre como também ultrapassando minhas expectativas na questão de segurança como mulher, quebrando aquele tabu de 'o cabelo é a moldura do rosto'. No momento, a moldura do meu rosto tem sido meus brincos nada pequenos que uso", garante, aos risos. E ela conta ainda que o curtíssimo precisa, sim, de cuidados, principalmente com o sol. "Corto uma vez por mês e passei a usar mais protetor como abuso de chapéu e boné", explica.
Moradora de Niterói, a consultora pedagógica e estudante de psicologia Jade Brito, de 27 anos, decidiu raspar depois de uma conversa entre amigos sobre estereótipos e feminismo no fim do ano passado. "Eu era cacheada, então os elogios eram sempre relacionados ao meu cabelo. Quando eu decidi raspar, um amigo meu disse: 'Jade, você sabe que vai ficar mais masculina, né?' Nesse sentido, eu me senti mais livre por estar quebrando um padrão que não nos pertence. O que é ser mulher, afinal? É ter cabelo? É ter peito? Não ter pêlos no corpo? Comecei a questionar muito isso e só por isso já é muito libertador. Eu me sinto muito mais mulher depois que raspei meu cabelo", diz ela. Desde então, Jade se depara com situações que antes não faziam parte de seu cotidiano. "Entrar no ônibus é sempre um causo: sempre tem um olhar de estranhamento ou de admiração. E encontrar com idosos em elevador, em qualquer lugar assim: eles sempre ficam assustados. Por mais engraçado que isso seja, a careca me passa um poder tão grande que eu não tô ligando para esse olhar", pondera.
Joyce Kelly Salvador, de 25 anos, adotou sua careca depois de ver a filha, Ágatha, sofrer um episódio de racismo com apenas 1 ano e 8 meses, há quatro na creche ("Quando eu fui pentear os cabelos dela, ela disse: não, mamãe meu cabelo é 'dulo'"), desde então eu comecei a pesquisar sobre o Movimento Negro e me identifiquei com tudo ali", conta a moradora de Duque de Caxias, relatando que, inicialmente, escolheu um cabelo curto e, depois, raspou os fios. "Fui em diversos salões do meu bairro com a intenção de raspar a cabeça, depois de algumas recusas... sim, as pessoas se recusam a raspar a cabeça de mulheres, eu finalmente consegui. Me lembro até hoje a sensação maravilhosa dá máquina passando na minha cabeça pela primeira vez, eu saí do salão com lágrimas de felicidade nos olhos. Nunca me senti tão eu, tão livre", lembra. E se a reação da menina com o novo visual da mãe foi maravilhosa, a de conhecidos e vizinhos foi o oposto: "Eu já ouvi tanta coisa, você não faz ideia... 'Você estava na cadeia?', 'Vacilou na favela?', 'Deitou pro santo?', 'Pegou piolho?'...". Por conta de sua vivência, criou um grupo no Facebook em 2016, o "Relatos das Carecas", que hoje já tem mais de 2 mil mulheres. "Foi mais uma forma de encontrar meninas que já estavam carecas e precisava de um apoio, pois muitas perdiam namorado ou emprego depois de raspar, e achar pessoas que queriam raspar mas não tinham coragem pra isso. Só que começou a aparecer muitas mulheres que ficaram carecas por motivos de doença e acabavam se sentindo abraçadas, já teve caso de cura mesmo assim elas continuarem raspando a cabeça", diz.
A produtora cultural Yasmin Victória passava pelo processo de transição capilar quando decidiu se livrar do cabelo longo, mas só tomou a decisão, de fato, ao viver um caso de doença na família. "Meu marido na época não era a favor, então isso era uma questão dentro de casa até que minha tia descobriu um câncer. Ela era uma pessoa muito importante para mim e um dia ela me ligou chorando muito falando que iria raspar a cabeça. Eu decidi acompanhá-la porque era o que faltava para que essa decisão se concretizasse. A ideia inicial era deixar crescer, mas já faz dois anos e dois meses e decidi manter", afirma a carioca, que viu uma nova mulher surgir: "Mudei meus looks, antes eu não conseguia usar determinadas roupas e agora elas funcionam, adotei mais tatuagens...". Yasmin conta ainda que já foi questionada por crianças, mas explica com naturalidade sua escolha, desassociando aparência a questões de gênero: "Eu acredito que o cabelo é um acessório, para desmistificar isso que mulher tem que ter cabelão, porque acho que isso ainda é um tabu. Alguns meninos e meninas estranham, mas eu falo: 'não é cabelo de menino ou menina, é cabelo de todo mundo'".