Dandara Albuquerque celebra as discussões levantadas com sua vilã Neferíades da novela "Gênesis" ao fazer um paralelo aos dias atuais. Na trama épica que se encaminha para o final, a mulher de Potifar (Val Perré) tem o nariz decepado ao ser flagrada na cama com Teruel (Amaurih de Oliveira), um dos soldados do exército egípcio. "São feitas reflexões importantes sobre 'solidão a dois' e carência afetiva, machismo e patriarcado", exemplifica ao Purepeople.
E a atriz não apoia o castigo dado à egípcia, que encontra na prostituição maneira de sobreviver. "Estou muito feliz com o retorno do público. Recebo mensagens do tipo 'amo odiar a Neferíades' e isso é sinal de que meu trabalho está sendo bem recebido. Mas é evidente que algumas das atitudes dela são indefensáveis e que é preciso levar em consideração o contexto histórico que a trama está inserida", pondera.
"Sobre o tema adultério, é importante ponderar que na mesma sociedade em que aos homens era autorizado o casamento com várias mulheres, as que eram consideradas adúlteras podiam ser mutiladas e/ou executadas. E isso infelizmente ainda acontece em muitos lugares do mundo nos dias atuais. Fico feliz por saber que através do meu trabalho tais questões sejam discutidas", prossegue.
Para compor a vilã, Dandara buscou inspiração em filmes como "Medéia" e "Cleópatra", contou com a colaboração dos preparadores de elenco e coaching, e optou por cruzar a fronteira de arquétipos e estereótipos. "Mergulhando assim em toda sua complexidade e buscando trazer mais camadas para minha interpretação. A Neferíades é intensa, passional, que possui defeitos, qualidades, fragilidades e vulnerabilidades", enumera
"Ela carrega dentro de si uma urgência que é a necessidade de se sentir amada e usa todos os recursos que possui para conquistar seu objetivo, incluindo poder e sedução. No entanto, também se depara com a solidão, vazio existencial, a insatisfação com seu casamento e frustração por não ter suas necessidades emocionais e sexuais atendidas", opina.
"E como a fronteira entre o amor e o ódio é tênue, a dor da rejeição serve como gatilho para que todos esses sentimentos se tornem uma potente arma de (auto) destruição", acrescenta Dandara.
Da mesma forma que Kizi Vaz, a Kamesha, Dandara celebra a representatividade negra na trama da Record TV na comparação com "José do Egito" (2013), da mesma emissora. Naquela produção, Seti (Larissa Maciel) era a mulher de Potifar (Taumaturgo Ferreira) e Pentephres, hoje papel de Nando Cunha era vivido por Eduardo Lago. "Acho que foi uma decisão muito pertinente, já que a história se passa no Egito, que fica no continente africano", defende.
"Desconstruir o imaginário de um Egito embranquecido faz com a que a trama seja ainda mais fidedigna ao contexto social e histórico, além de possibilitar discussões importantes como colorismo. A representatividade traz também uma grande responsabilidade", prossegue.
"Celebro o fato de estarmos conquistando uma maior abertura no mercado e desejo que cada vez mais profissionais negros tenham espaço para mostrar competência e talento. Sou muito grata pela oportunidade que tivemos e fico feliz por fazer parte desse movimento de inclusão e reconhecimento da nossa contribuição para Arte através de papéis com destaque", continua.
Ao mesmo tempo, Dandara precisou esconder os cabelos em cena por conta de sua egípcia e recorda que no passado alisava os fios. "(Como forma) de me encaixar no padrão de beleza imposto pela sociedade que sempre foi muito cruel com pessoas negras. Depois de um processo muito profundo de transformação e de entendimento sobre como o racismo estrutural me afetava, decidi passar pela transição capilar e voltei a assumir meus cachos. Tenho muito orgulho das minhas raízes e amo meu cabelo afro", frisa.
"E para a minha profissão, é importante ser versátil e estar disponível para mudar o visual a cada caracterização de um personagem. Foi uma experiência maravilhosa poder usar diferentes perucas e mais divertido ainda me ver careca por um dia", afirma a artista vista anteriormente em "Espelho da Vida".
Para a atriz, o figurino tem influência direto na postura e gestual com a qual surge em cena. "Acredito que a caracterização é uma ferramenta fundamental para composição de um personagem. Como se trata de uma trama de época, os tempos das cenas eram mais dilatados e não era permitido alterar ou improvisar o texto, o que me fez ter que exercitar ainda mais minha capacidade de memória e concentração", explica.
"Sem contar que é uma grande responsabilidade interpretar uma personagem bíblica, cuja participação desencadeia fatos tão relevantes. Foram experiências distintas e me realizei em ambas", continua Dandara.
"Tenho muito carinho por todos os meus trabalhos, pois é através deles que tenho a oportunidade de evoluir como atriz e construir a carreira dos meus sonhos. Ainda tenho muito para aprender, mas estou sempre comprometida a dar o meu melhor em tudo o que faço. E assim, espero chegar longe", finaliza na expectativa para um próximo papel.