Pouco mais de cinco meses e meio depois de sua estreia, "Em Família", a última novela de Manoel Carlos, chegou ao fim nesta sexta-feira (18). A trama de Helena sofreu rejeição e críticas desde o seu início, mas manteve a essência da obra do autor e é parte significativa de um grande avanço na teledramaturgia brasileira, por ter mostrado a história de amor de duas mulheres com direito a beijos, casamento, filho e final feliz.
Com a morte de Laerte (Gabriel Braga Nunes) selando o trágico fim do casamento de Luiza (Bruna Marquezine), o último capítulo da novela das nove da Globo teve seu ponto alto de tensão. Curto e breve. O estilo bossa nova do autor serviu de pano de fundo para o desfecho da história, que terminou com a possibilidade de um novo amor para a jovem e a segunda lua de mel de seus pais. Sem surpresas e sem nenhum grande acontecimento, o novela terminou assim, apenas com a poesia do texto e grandes interpretações do elenco.
Desde a estreia de "Em Família" se tornou comum o comentário "Maneco perdeu a mão". É possível que seu ritmo de narrativa não se encaixe mais no perfil das novelas de sucesso de audiência da atualidade, porém a sutileza e a suavidade - a assinatura do autor - perpassaram toda a trama e se fizeram presentes também no último capítulo.
Julia Lemmertz e Bruna Marquezine merecem reverências pelo trabalho que apresentaram do início ao fim da trama, tão consistentes, delicadas e sensíveis. A maturidade de Julia em contraponto com o frescor de Bruna serviram muito bem às personagens, que são semelhantes e opostas ao mesmo tempo. E essas nuances de interpretação são só alguns dos detalhes que podem ter passado despercebidos por olhos desatentos ou desinteressados.
Dentre tantos defeitos apontados pelo público, um deles foi a falta de um vilão. Nada mais natural, depois do estrondoso sucesso de Carminha em "Avenida Brasil" e Félix em "Amor à vida". Contudo, quem acompanha a obra de Maneco sabe que seus personagens nunca são monomotivados nem maniqueístas, por isso é comum que a situações conflituosas tomem o lugar de uma única figura personificando o mal.
De quem é a culpa quando a filha se apaixona por aquele que foi o grande amor da vida da mãe e quase causou a morte de seu pai? Talvez esse tenha sido o maior dos pecados de Luiza, tão rejeitada pelos telespectadores. A falta de identificação se refletiu na audiência, mas não diminui a qualidade da obra. Maneco fala da vida da gente de uma maneira única e com uma certa "crueza" que chega a causar estranhamento.
Por outro lado, a Shirley de Vivianne Pasmanter proporcionou ótimas cenas, com sua língua afiada e sinceridade atroz. Um tanto megera, um tanto diva, ela distribuiu conselhos e alfinetadas com um senso de humor ácido. Branca (Ângela Vieira) também teve lá sua parcela de maldades e um desfecho interessante em relação à maternidade de André (Bruno Gissoni), que foi um dos acertos deste final.
"Em Família" teve citações de Shakespeare e de Jean Paul Sartre na boca de seus personagens. Mexeu com a aparentemente inabalável instituição sagrada que é a chamada "família brasileira". Primeiro com o amor entre primos-irmãos - coisa tão corriqueira fora da ficção -, depois colocando mãe contra filha por causa do amor de um mesmo homem. Não satisfeito, Manoel Carlos mostrou uma dona de casa, até então feliz no casamento, se apaixonando por outra mulher e, pior: com uma criança encarando a nova relação da mãe com naturalidade! Não tinha mesmo como sair ileso.
O mérito desta novela, para além da popularidade e audiência, está nas barreiras que se propôs a quebrar. No discurso por amor e tolerância feito por Ivan (Vitor Figueiredo), que sintetiza o legado do folhetim: o amor sem preconceito e sem ressalvas; a capacidade de amar e entender as diferenças de escolha e perdoar a quem se ama; a consciência de que os laços de amor que unem pessoas em uma família vão muito além do sangue e de convenções da sociedade. Parabéns a Manoel Carlos, não só por esta, mas por toda a sua obra.
(Por Samyta Nunes)