A novela "Tieta" (1989-1990) voltou a ser reprisada pela Globo no "Vale a Pena Ver de Novo" após mais de 30 anos (a primeira reapresentação começou em outubro de 1994). E assim como ocorreu três décadas atrás, a vinheta de abertura passou por mudanças para não exibir o corpo nu de Isadora Ribeiro. Além da atriz e modelo, Hans Donner também criticou os cortes, chamando de "castração".
O mago das vinhetas lamentou o momento atual, onde a sensualidade é deixada de lado. "Quando vi a abertura desta forma, castrada, me decepcionei. Acredito que, do jeito que o mundo ficou cada vez mais puritano, falso, ou até o fato de que as mulheres não iriam aceitar ser mostradas assim", disparou Hans ao portal de Heloisa Tolipan.
"Acredito que o mundo ficou cada vez mais careta (...). (Na abertura) Só apareceu um pouquinho da árvore retorcida e, quando todo mundo esperava que fosse surgir um corpo escultural, ele não apareceu", completou se referindo à Isadora, sua ex-namorada e estrela também da clássica abertura de 1987 do "Fantástico".
Criador de incontáveis aberturas na Globo, Hans recordou a importância das mulheres em seus trabalhos. "Antigamente, era um tempo em que podíamos fazer 'Globeleza' (cuja mulata já foi retirada há alguns anos pela emissora), 'Pedra Sobre Pedra' (1992) e tantas outras aberturas, e sempre era possível valorizar a beleza das mulheres brasileiras, que são esculturas feitas por Deus. Outro dia, estava justamente fazendo uma lista de todas estas aberturas nas quais tinha a mulher como protagonista", disse;
"Agora, se isso não é mais permitido, eu também não estou mais desse lado da tela. Então, cabe a mim me sentir feliz por ter vivido uma década em que inúmeros trabalhos nessa linha não incomodavam as pessoas", alfinetou o responsável também pela vinheta de "O Dono do Mundo" (1991-1992), onde foram usadas cenas do filme "O Grande Ditador" (1940) de Charles Chaplin (1889-1977).
Ex-marido de Valéria Valenssa, com quem se relacionou por 26 anos, Hans exaltou sua longa passagem pela Globo. "Hoje não há mais a mesma liberdade criativa e financeira que eu vivi. Não tem mais um Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, ex-diretor), que dizia: “Pode gastar, contanto que seja o melhor do mundo.” A televisão não vive mais o que era; o mundo não é mais assim", lamentou.
"Além disso, tudo que hoje se faz com Inteligência Artificial, com o apertar de um botão, impressiona. Mas, meus trabalhos eram feitos em uma fase de grande inovação, na qual a Globo se tornou, justamente com esses trabalhos, a televisão mais sofisticada do mundo", reforçou Hans, que precisou adequar suas criações à censura.
Casos do programa humorístico "Planeta dos Homens" (1976-1982), onde uma mulher, de biquíni, surgia no interior de uma banana descascada por um macaco (papel de Orival Pessini, 1944-2016), e de "Brega & Chique" (1987), onde um modelo aparecia com as nádegas de fora.
"Essa foi a minha experiência de ter vivido, naquele momento, censurado pelos militares. Agora, sou censurado por um mundo que mudou", disparou Hans, responsável também por outras aberturas como do "Viva o Gordo" (1982-1987), onde Jô Soares (1938-2022) "invadia" imagens já existentes como uma reunião ministerial do então presidente José Sarney.