Como bem diz a máxima: "tudo que é bom dura pouco", e depois de apenas 96 capítulos "Meu Pedacinho de Chão", chegou ao fim nesta sexta-feira, 1º de agosto. A versão lúdica e imagética de Luiz Fernando Carvalho para a obra original de Benedito Ruy Barbosa trouxe a poesia de um mundo de faz-de-conta para a teledramaturgia e vai deixar saudades para os muitos olhos e corações sensíveis que certamente foram tocados pela beleza da novela das seis da Globo.
Apontar todos os acertos e o encantamento exercido pelo folhetim desde seu primeiro capítulo é tarefa difícil de ser cumprida brevemente. Desde a preparação dos atores, passando pela caracterização, direção de arte, fotografia e figurino até as inspiradas escolhas de edição das cenas; o trabalho apresentado pela equipe de "Meu Pedacinho de Chão" é primoroso. Durante esses quase cem capítulos, o público teve acesso a inúmeras referências artísticas importantíssimas, de maneira que a novela transcende sua função de entretenimento e se torna um conjunto de muitas expressões artísticas.
Curiosamente, mesmo sendo uma obra de alta qualidade que recebe constantemente muitos elogios através das redes sociais, a trama teve lá seus problemas com a audiência. Se isso se deve ao estranhamento causado pela estética inovadora ou à história em si - que é mais pueril, sem conflitos mais pesados -, é difícil determinar. O fato é que durante os quatro meses de exibição, ela foi um bálsamo, uma janela que se abre para a necessária renovação no modo de fazer teledramaturgia.
Além de todos os méritos citados até aqui, "Meu Pedacinho de Chão" teve momentos especiais que vão ficar muito bem guardados na memória. Os musicais como "A dor da Saudade" e "Beijinho Doce"; a chegada do outono e do inverno - deliciosamente conectadas às reviravoltas na história de Zelão (Irandhir Santos) -, e que trouxeram novo fôlego e mais brilho aos olhos público... Todos estes são exemplos.
Quando às atuações, também é complicado destacar este ou aquele nome dentre um elenco tão bem preparado. A começar por Geytsa Garcia e Tomás Sampaio, maravilhosos como Pituquinha e Serelepe, os atores executaram muito bem os personagens, com os arquétipos bem delineados.
Juliana Paes nunca esteve tão bem em cena como agora com Madame Catarina e seus dedinhos inquietos. Ainda que tenha passado um pouco da conta no esganiçar da voz em algum momento, essa personagem é de uma composição tão rica que não pode ser comparado aos trabalhos pregressos da atriz. O mesmo é possível dizer de Rodrigo Lombardi: completamente distinto de qualquer outro papel, na pele de Pedro Falcão ele manteve uma consistência do início ao fim e foi crescendo a cada capítulo nos gestos, na postura e no vocabulário característico do sitiante.
Teuda Bara e Inês Peixoto , foram duas joias em cena. Impecáveis. Flávio Bauraqui, Johnny Massaro, Bruno Fagundes e principalmente Irandhir Santos também se destacaram mostrando o tamando de seu talento e a qualidade do trabalho. Bruna Linzmeyer, Paula Barbosa , Dani Ornellas são outras três atrizes que merecem aplausos.
E como não falar da trilha sonora (e dos efeitos de sonoplastia), que de maneira tão singela fazia parte das cenas, nos levando para dentro da história e oscilando entre o cinema a animação? Um recurso muito bem explorado, que casou harmoniosamente com as brincadeiras divertidas da edição, resultando em sequências que muitas vezes mais pareciam a leitura de um gibi.
Com trama leve e conflitos corriqueiros, a novela abordou assuntos importantes como direitos trabalhistas, corrupção na política, educação e analfabetismo... Além de contar as tradicionais histórias de amor, que não podem faltar em qualquer folhetim. E o seu final não poderia ser diferente: vários casamentos e aquele tão esperado "foram felizes para sempre" para os casais apaixonados. Já Serelepe conseguiu ser aceito em uma família e se revelou irmão de sua tão amada melhor amiga Pituquinha. Tudo resultado da redenção do terrível vilão Epa (Osmar Prado), que se regenerou.
Enfim, "Meu Pedacinho de Chão" pode não ter sido um sucesso retumbante de audiência, mas certamente é digna de muitos prêmios e seu valor precisa ser explicitado. Em tempos de tanto realismo atroz, uma fábula criada com tamanha sofisticação dramatúrgica e criatividade estética precisa e deve ser reverenciada. Que venham mais obras como essa!
(Por Samyta Nunes)