"Adeus Velho Chico, diz o povo nas margens". Ao som desse refrão cantado por Maria Bethania na música "Francisco, Francisco" foi que Santo dos Anjos (Domingos Montagner) se despediu, no último capítulo da novela "Velho Chico", exibido nesta sexta-feira (30). Mas diferentemente dos finais costumeiros, a palavra "fim" não apareceu em nenhum momento escrita na tela. Em vem disso, o rio, o barco e a presença de uma ausência em forma de homenagem.
Assim como a corajosa Camila Pitanga e seus bravos colegas de elenco fizeram, há que se guardar um pouco a emoção no peito para registrar os tantos méritos desse desfecho. Afinal, a vida não para e novela também não parou. Mas muito além da fotografia que parecia mágica, da direção ousada e sempre inspirada de Luiz Fernando Carvalho, do texto poético de Benedito Ruy Barbosa e Bruno Luperi (ainda que com excesso de didatismo para alguns) e das grandes atuações, o capítulo final de "Velho Chico" teve algo que a telenovela muitas vezes perde quando cai na banalização do gênero: o poder de afetar o público.
Infelizmente, a emoção não foi causada só pela qualidade técnica da obra e densidade das interpretações. A trágica e precoce morte de Domingos Montagner, imitando a ficção, fez com que novela ganhasse uma espécie de aura. Chamou a atenção de quem nem acompanhava a trama, e prendeu quem já assistia. E a equipe não se deixou abater. Veio a câmera subjetiva com o olhar comovente de Santo. Um elenco ainda mais forte e unido em cena. E nós embarcamos no Gaiola Encantado, com Martim (Lee Taylor) e com Domingos, nessas últimas duas semanas.
Choveu na igreja durante o casamento de Santo e Tereza
Os autores de direção escolheram priorizar a emoção em detrimento e mostrar, mesmo que rapidamente, todos os finais. Algumas cenas e personagens provavelmente ficaram de fora e deixa algumas perguntas sem resposta. Uma chuva de lágrimas que caíam dos olhos de Nossa Senhora aconteceu dentro da igreja, durante o casamento de Santo e Tereza. Qual a explicação disso? "Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a tua filosofia", diz Shakespeare em Hamlet. Há também o que a gente não sabe explicar, só sentir. Foi um final bonito, daqueles que tocam o coração.
Desde o seu início, partindo das primeiras chamadas e da própria vinheta de abertura, essa história mostrou que vinha forte, que teria a profundeza das águas do rio, não ficaria no raso. Já em sua estreia e na primeira fase estava claro que havia algo de diferente ali, dificilmente explicável com lógica ou coerência. Trazia coisas da nossa terra, do folclore e crendices. Cheirava a uma renovação no horário, que vinha sofrendo baixas na audiência com tramas urbanas.
E assim o folhetim foi se desenrolando, num ritmo desacelerado, mas intenso. Às vezes lento, outras como uma forte correnteza. Arriscou quando parava demais no discurso de conscientização política e ambiental. Zé Pirangueiro (José Dumont) falando do rio com o próprio teve pouco apelo. O misticismo presente em vários momentos, como a Santa Sara de Iolanda (Christiane Torloni), o espírito o Negro D'Àgua e os encantados de Dona Ceci, o barco Fantasma... Tudo que foge da realidade crua mas não chega ao realismo fantástico, ficando no caminho do meio, pode tanto atrair como afastar. Mas de certo que há quem tem olhos de ver e ouvidos de ouvir o espetáculo que se abriu na tela a cada capítulo.
Destaques do elenco
De Rodrigo Santoro a Lee Taylor, esse foi um elenco tão brilhante que é quase uma injustiça destacar só alguns. Selma Egrei e sua impressionante caracterização,Antonio Fagundes e a desconstrução gradativa do Saruê, Iranhir Santos e Dira Paes, sempre plenos e entregues em cena, Gabriel Leone e Giullia Buscacio com o frescor de início da carreira, Lucy Alves e Mariene de Castro, duplamente talentosas, Marcelo Serrado na ascensão de seu dissimulado e sórdido Saruê... E claro, Camila Pitanga e Domingos Montagner, que protagonizaram muitos dos pontos altos da trama. Todos eles merecem longos aplausos por este trabalho.
Por fim, talvez o mais importante seja dizer que "Velho Chico" é uma novela que sempre será lembrada. Mas não somente por ter sido a última de Domingos, e também por tudo que ela foi antes e depois de ele ser levado pelo rio São Francisco.
(Por Samyta Nunes)