Zeca Pagodinho completa 30 anos de carreira prestes a lançar seu novo DVD, "Vida que Segue". O sambista deu uma entrevista ao jornal carioca "Extra", neste domingo (21), contando histórias dos 54 anos de vida, sempre com o bom humor habitual. Seu primeiro sucesso, "Camarão que Dorme a Onda Leva", feito em parceria com Arlindo Cruz e Beto Sem Braço, ganhou voz com Beth Carvalho, que ajudou Zeca Pagodinho a sair do Cacique de Ramos para o estrelato em todo o país. O samba foi gravado pelos dois para o disco da cantora, "Suor no Rosto".
Ele falou sobre o desafio de - no começo da carreira - superar o pânico do palco, se tornando um dos maiores cantores de samba do Brasil. "Fiquei nervoso quando me apresentei com a Beth. Ia cantar na quinta música. Deu dor de barriga. Só cantei na 13ª. Batiam na porta e eu gritava: "Pula mais uma". Foi uma m... pra cantar. A coisa foi feia", declarou. "Em outro show da Beth, no Asa Branca, me chamaram no camarim e falaram: "Toma um uísque, bota uma roupa só pra ver se vai dar". Quando vi, estava em cena com a Beth. Cantei bem, fui aplaudidíssimo, mas briguei com uma namorada no fim do show e acabei preso. Fui do palco para o xadrez da 5ª DP (Lapa). E foi o Fundo de Quintal todo lá para me soltar: Ubirany, Bira Presidente, que doideira!".
Zeca também tem um problema de confiança em seu próprio trabalho, o que persiste até hoje. O cantor ainda diz não se achar capaz e que grava novas canções pensando que "não vai dar certo". A legião de fãs que construiu nos últimos 30 anos acha o contrário. "A vida é que foi me levando. Só queria mesmo ouvir a minha música nas rádio na voz dos outros", afirma. "Para pisar no palco não sofro mais. Só não pode ser estreia, lançamento. Estreia é injeção, é sempre um inferno. Fico rouco, com febre, doente, achando que não vou conseguir cantar. Aliás, já tomei a minha injeção desse disco. Agora só no outro álbum. Para esse já estou vacinado (risos)".
Desligado com a parte burocrática de suas turnês, Zeca diz que gosta é de andar na rua, "tomar minha cerveja e ver meus amigos". Sua equipe toma conta de tudo. "Só me falam: "amanhã você tem que ir pro aeroporto". Quando chego lá, descubro para onde vou...", disse. E chegando ao local do show, segue sempre alguns rituais: "Evito beber, procuro ficar calado para entrar com gás e não gosto de saber de notícia de ninguém. Acham que é frescura, mas tem gente que entra no camarim e fala: "Fulano morreu, deram tiro lá na portaria". Deixa, que depois eu vou saber...".
O cantor não compõe tanto como antigamente, quando "chegava na casa do Arlindo (Cruz) ao meio-dia, saía às 16h, com cinco músicas prontas". Agora, para incrementar o repertório, ele usa composições de outras pessoas, mas confessa que a escolha não é fácil. "É um inferno, mas a música tem que ser boa para entrar. Tem compositor que fala: "Estou precisando gravar contigo porque meu telhado caiu, porque estou com câncer...". E eu digo: "Bota a música aí. Se for boa, entra, senão, até ajudo com remédio ou no telhado. Mas não vou gravá-la porque você está com câncer", revelou.
Na tragédia das chuvas que aconteceu em Xerém, na baixada fluminense - onde o artista mora há muitos anos -, Zeca ajudou a resgatar muita gente em cima de seu quadriciclo: "Se você estivesse lá, ajudaria também. Meus vizinhos ajudaram. Por eu ser o Zeca Pagodinho, deu mídia. Na minha casa tinha mais de 40 voluntários". Com o jeito simples e bom coração - relatados por todos que convivem com o cantor - ele diz que se revolta com muita coisa: "Calúnia, ingratidão, ver criança jogando bolinha no sinal, essa garotada se matando por causa de briga de torcida. Também me irrita ver meu país afundando em desgraças, uma roubalheira danada. Não rola uma passeata bacana pela saúde, educação, pelo desemprego. As pessoas só se revoltam com coisas banais".
Pagodinho não assiste a jogos de futebol, gosta mesmo é da comemoração. Botafoguense, tem um filho flamenguista e um vascaíno, e quando um dos três times ganha "está bom". Com o humor de sempre, se compara a Caetano Veloso: "É tudo lindo!". Seu maior sonho é a vida eterna, pois está cansado de ver tantos amigos morrendo. "Isso me deixa triste. Até porque vai chegar a minha hora. A Nana Caymmi disse no enterro do Emílio Santiago: "Está morrendo todo mundo, quando eu morrer não vai ter ninguém para ir no meu enterro". Ela está certa".
Finalizando a entrevista, ele comenta sobre o carinho de todos os fãs e de como é bem recebido em qualquer lugar que se apresenta ou vai. "Meu grande troféu nesta vida", diz. Casado com Mônica há quase 27 anos, Zeca tira de letra o assédio feminino: "É uma beleza! Eu adoro um cheirinho aqui, ali! Ninguém morre disso, não. Pelo contrário, vive mais ainda! Não tenho do que reclamar".