Ivete Sangalo lotou o estádio do Maracanã pela segunda vez em um show de celebração aos 30 anos de carreira nesta quarta-feira (20). Acredito que você tenha visto pela tela da TV Globo, mas decidi compartilhar com você sob a perspectiva de alguém que viveu esse sonho pessoalmente.
Antes de mais nada, preciso fazer uma breve contextualização. Acompanhei de perto 20 dos 30 anos da carreira de Ivete. Meu principal elo com ela foram os DVDs. Primeiro, o de celebração de uma década de sucesso, gravado em Salvador, em 2003. Anos depois, veio o gravado no Maracanã, um marco na música brasileira, mas, também, em minha vida. Qualquer criança viada que cresceu nos anos 2000 vai concordar: Ivete vestida de mulher-gato chegando em uma moto no Maracanã foi life-changing. Por isso, estar naquele estádio para vê-la era mais que um sonho, era a materialização de uma memória de infância.
E para realizar um sonho desses, não valeria poupar esforços - nem dinheiro. O ingresso que prometia uma visão privilegiada colada no palco custava quase R$ 600. E, sim, eu paguei. Não satisfeito em me endividar, esperei por cinco horas pela abertura dos portões do estádio - uma hora a mais que o esperado por conta de um atraso. Peguei muita grade na minha juventude e tinha prometido a mim mesmo que jamais faria tamanho sacrifício novamente. Mas era Ivete! No Maracanã!
Os cinco primeiros da fila - eu era o sexto - chegaram por volta de 8h da manhã. Prevendo a confusão que se aproximava, estes guerreiros tentaram organizar o restante dos fãs para garantir que ninguém roubasse seus merecidos lugares.
Pouco antes de 18h entrei no Maracanã, e começou bem: foram entregues pulseirinhas de LED, bastões de patrocinador e água - muita água à disposição do público gratuitamente. Uma pena que precisou que uma menina tão jovem perdesse a vida em um show para que esse cenário se tornasse uma realidade.
O meu setor garantia, além da visão privilegiada do palco, cadeiras para esperar confortavelmente o show. Eu até consegui um local muito bom, mas o espaço não entregava uma experiência de R$ 600 para todos simplesmente porque a forma como as cadeiras foram distribuídas não permitia uma boa visão para quem estava atrás.
"Zamurinhos, faltam 10 minutos para começar o show": quando a voz de Ivete surgiu nos alto falantes do Maracanã, as pessoas que repousavam em suas cadeiras ficaram de pé. E aí iniciou uma confusão entre os "zamuris de Veveta".
Indignado por ter a visão tapada pelas pessoas de pé, quem estava atrás resolveu se posicionar na frente do setor e os guerreiros que chegaram cedo tentaram de forma ferrenha impedir a invasão. A partir daí, iniciou uma discussão verbal acalorada. Uma das fãs (gosto de gente que acredita!) colocou uma lixeira no caminho para demarcar o limite dos que vinham lá do fundo, mas não adiantou muito.
Quando Ivete entoava os lindos versos de "Beleza Rara" ("Hoje sou feliz e canto / Só por causa de você"), a situação se tornou física e começou um porradeiro entre os fãs. Ainda estava na terceira música e o cenário era: guerreiros da manhã x pessoal do fundão. Juro que não colaborei com o barraco, embora nada tenha feito para impedir, assim como o segurança do evento, que, como eu, foi mera plateia do caos.
Incrédulo, vi cadeiras chutadas e a maioria das pessoas terminou de pé, aglomerada na frente do palco, ignorando a presença de idosos e pessoas com deficiência. E lá se foi o glamour e o conforto do setor, que ficou mais apertado que a Pipoca da Ivete.
Mas tá tudo bem. A protagonista da noite era Ivete e ela honrou muitíssimo bem as prestações do ingresso que ainda restam. Que show mais lindo! Com um repertório afiado, a maior cantora do Brasil soube mesclar muito bem os (intermináveis) clássicos da carreira, com as faixas mais atuais e as fan favorites.
E quando eu achava que não poderia viver mais emoções depois de presenciar porradaria e ouvir "Me Abraça", surge ela: Ludmilla? Não. A moto! Ver Ivete recriar a abertura do DVD de 2006 no mesmo local em que o gravou foi um momento de catarse, de êxtase. Uma lembrança que me garantiu uma reserva de serotonina para as próximas semanas.
Concluo que Ivete merece todo sucesso, mas merece, também, todo o esforço do seu público. Depois de fugir de dois arrastões no RBD e enfrentar o clima caótico do show da Taylor Swift, afirmo que a Ivete é a única artista que me faria fazer todo esse sacrifício de novo.
Ivete é o maior ícone do Brasil não apenas porque honra os fãs, mas porque não esconde o orgulho de cada degrau que galga. Qualquer diva pop entraria no Maracanã no carão, com uma entrada triunfal milimetricamente ensaiada, mas ela simplesmente deixou a emoção fluir, sem esconder o choro por ser, mais uma vez, aclamada por seu público.
É cedo demais para conspirar sobre como serão as comemorações dos 40 anos de sucesso de Ivete, mas é seguro afirmar que ela continuará cercada de uma multidão fiel. Mais do que uma construção de carreira impecável, Ivete é um fenômeno porque permite mostrar que, por trás do mito, há um ser humano, igual a mim, igual a você.