Quando a nova versão de "Saramandaia" foi anunciada, muita gente olhou com desconfiança. O autor Ricardo Linhares conseguiria manter o espírito do realismo fantástico da obra original de Dias Gomes? Essa era questão mais recorrente. Cinquenta e seis capítulos depois, a trama chegou ao fim na noite desta sexta-feira (27) e a resposta é sim.
Se em 1976 os recursos tecnológicos eram escassos, desta vez, "Saramandaia" usou e abusou da tecnologia atual usando efeitos especiais necessários à trama e que encheram os olhos do telespectador. "Eles estabeleceram um novo padrão na produção brasileira. Nem em seriados americanos, feitos com mais dinheiro e tempo, há sequências tão bem elaboradas", avalia o autor.
A novela também levou leveza ao horário das onze, que nos últimos exibiu tramas mais picantes: "Gabriela" e "O Astro". O público, no entanto, parece ter sentido a diferença e não foi tão fiel. Das três histórias, "Saramandaia" teve a média de audiência mais baixa. Em entrevista ao Purepeople, Ricardo Linhares faz um balanço da novela, avalia a questão do ibope e critica o horário de exibição. "Nunca começou na hora marcada", diz.
Purepeople: Qual é o seu balanço final de "Saramandaia"?
Ricardo Linhares: Minha avaliação é totalmente positiva. A novela emocionou e divertiu o telespectador. Ao mesmo tempo, propôs reflexões a partir de temas relevantes e atuais, como preconceito, discriminação e corrupção política.
Purepeople: A imprensa apontou que o público não torceu pelo casal formado por José Mayer e Lília Cabral. O que acha que aconteceu?
RL: O público torceu pelo casal o tempo todo. Os atores são talentosos, carismáticos e queridos do telespectador.
Purepeople: Hoje, você mudaria algo na trama?
RL: Acho que não. Se eu pudesse mudar alguma coisa, seria o horário de exibição. Mas isso não depende de mim.
Purepeople: Como assim?
RL: Supostamente, "Saramandaia" seria a novela das onze. Mas nunca começou na hora marcada. O público nunca sabia a que horas a novela seria exibida. Nem eu sabia. O horário, além de tardio, era irregular. Podia começar a qualquer momento entre 23h15 e 0h30. Assim fica difícil de fidelizar o público noveleiro.
Purepeople: "O Astro" e "Gabriela" também eram novelas das onze e tiveram melhores médias de audiência no horário.
RL: As duas foram ao ar muito mais cedo. Acho que não se deve fazer comparações de audiência sem avaliar o horário de exibição. Mas, mesmo com o horário oscilante, aumentei a média que a faixa dava em São Paulo antes da estreia. E em outras capitais, como Fortaleza e Porto Alegre, por exemplo, a novela costumava marcar por volta de 30 pontos.
Purepeople: As novelas anteriores tinham muita nudez. Pensou em algum momento despir um pouco mais as mulheres de "Saramandaia"?
RL: Nunca me passou pela cabeça uma coisa dessas. "Saramandaia" teve um público infantil e adolescente grande, que curtia as situações surreais.
Purepeople: Mesmo com uma trama inteligente, a novela perdeu algumas vezes para "A Fazenda", com suas baixarias e cuspes. Como encara essa preferência do público?
RL: Não sabia disso. Mas não julgo o gosto das pessoas. Acho que deve haver programas para todos os gostos, democraticamente. E cada pessoa assiste ao que preferir. Sou a favor de ampla liberdade de escolha.
Purepeople: "Saramandaia" era muito comentada no Twitter porque as pessoas assistiam aos capítulos com frequência através da internet. Ficou surpreso?
RL: Eu também assisti a diversos capítulos dessa forma. A novela era exibida muito tarde e durmo cedo, porque acordo cedo para trabalhar. Fiquei muito feliz com os comentários no Twitter. A repercussão da novela sempre foi excelente, desde a estreia.
Purepeople: Como você avalia os impactos da era da internet na TV?
RL: Eles são cada vez maiores. Assistir a programas pela internet já faz parte do cotidiano de uma parcela significativa do público, e a tendência é crescer cada vez mais. As mídias se somam, não se excluem.
Purepeople: A produção avaliava de alguma forma a audiência via internet?
RL: As emissoras ainda não estão preparadas para avaliar esse aspecto de maneira consistente, mas isso está mudando. É preciso acompanhar essas mudanças. Sou a favor de novidades, curto desafios. Por isso, escrevi uma novela anti convencional, na forma e no conteúdo, que fugiu ao naturalismo vigente na TV brasileira. É preciso ousar para ter novidades.
(Por Anderson Dezan)