Pedro Bial está de volta. E com vontade de debater assuntos ainda "mais cabeludos", como ele mesmo define. Nesta quinta-feira (4), estreia na TV Globo a segunda temporada de "Na Moral" e o jornalista e apresentador já abrirá esse retorno com um debate sobre drogas. A discussão vai contar com as participações do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, da atriz Fernanda Montenegro e do cantor Marcelo D2, entre outros convidados.
"Nossa função, enquanto programa de televisão, é servir de inspiração para o debate. Longe da gente de querer esgotá-lo", diz Bial. Em entrevista exclusiva ao Purepeople, ele adianta detalhes da segunda edição da atração, opina sobre o tema do primeiro episódio, conversa sobre as recentes manifestações ocorridas em todo o país e diz o que pensa sobre homofobia. "Ela parte do cara que tem muitas dúvidas", afirma. Confira o bate-papo:
Purepeople: Recentemente você escreveu no Twitter: "Esse negócio de orgulho hétero é muito boiola". Críticas morais quanto à sexualidade são ainda piores?
Pedro Bial: A única perversão é fazer sexo sem ter vontade. De resto, cada um faz o que quer. Como disse Freud, a sexualidade é um abismo. Cada um tem o seu e lida da maneira que acha melhor. É no mínimo ignorância falar que precisa fazer marcha de orgulho hétero.
Purepeople: Por quê?
PB: Se existe feminismo é porque existe um longo histórico de opressão à mulher. Da mesma forma acontece com o homossexual. As manifestações de orgulho são reações a milênios de história. O orgulho hétero, não. O hétero sempre esteve no poder. Em geral, a homofobia mora em quem tem medo. E esse é um medo presente na cabeça de muitos homens. Será que sou viado e não sei? Será que iria gostar? A homofobia parte do cara que tem muitas dúvidas.
Purepeople: E quando a homofobia chega ao campo religioso?
PB: Não sou religioso, mas uma característica que admiro nos religiosos é a compaixão. Todas as grandes religiões possuem o valor da compaixão em algum momento. Mas há líderes que ganham sotaques autoritários e começam a defender posições ou usam bodes expiatórios para unificar seus rebanhos.
Purepeople: A cada eleição aumenta o número de candidatos religiosos. Essa mistura de política com religião te preocupa?
PB: A representação política nos grupos religiosos existe e não tem como negar que é um direito democrático de se fazer representar. Mas está na Constituição que somos um Estado laico. O problema é que muitas pessoas nem sabem o que é Estado laico. A propósito, vamos abordar esse tema na nova temporada do "Na Moral".
Purepeople: Como manter o frescor do programa nesta segunda temporada?
PB: Esse é um dos desafios após uma estreia com boa recepção de crítica e público. Temos que amadurecer e aprofundar a proposta do programa: discutir questões controversas. Para se manter fiel a isso você precisa avançar sobre temas cada vez mais cabeludos. E é isso o que estamos fazendo, mas com o mesmo compromisso, com a leveza e o pensamento ágil da primeira temporada.
Purepeople: E já vai estrear com um debate sobre drogas.
PB: Esse tema é tabu. Ou pelo menos foi. Não me lembro de um debate com a mesma clareza que vamos dar sobre drogas e formas de enfrentar esse problema que não a força e a repressão. Hoje estamos vendo as coisas mudando nesse terreno. Para um programa que quer discutir como a moral muda com os tempos, não há tema mais ilustrativo.
Purepeople: Como você avalia a política brasileira nesse quesito?
PB: A lei vigente desde 2006 deixou espaço para a confusão ao não quantificar o que pode se portar ou não de substâncias ilícitas. Fica a critério de policiais e juízes determinarem se o sujeito estava com uma quantidade porque era usuário ou traficante. Essa lei deixa margens para não ser cumprida e promove injustiça. O ato do usuário que compra maconha e leva para amigos já se caracteriza como tráfico. Aí você coloca essa pessoa no sistema carcerário brasileiro que é uma escola do crime.
Purepeople: No Brasil, a repressão às drogas se consiste basicamente através da força. É o melhor caminho?
PB: A própria força policial está esgotada, não aguenta mais e confessa que se sente enxugando gelo. Há um projeto de lei do deputado federal Osmar Terra (PMDB-RS) no Senado para ser aprovado que segue a mesma linha da guerra e da repressão, transferindo para a esfera da Segurança Pública um problema que é de saúde pública e agravando ainda mais os efeitos da lei vigente.
Purepeople: Você disse numa entrevista que o Brasil é muito confuso em relação à moral. De que forma seu programa contribui para diminuir essa confusão?
PB: Não temos essa pretensão. Talvez a gente possa citar Chacrinha e dizer "tudo bem vir para confundir". Mas a confusão não acontece só no Brasil. Qualquer código moral é confuso.
Purepeople: Como assim?
PB: Se ele permanecer parado, não responde à dinâmica social. Por isso vemos tantas transformações morais dependendo da época e do lugar. Essa confusão é sinal de que o debate está vivo. Não há respostas fáceis para questões morais. Se a vida tivesse manual de instruções, ficava fácil. Se a lei fosse tão clara a gente não precisaria de advogados e juízes.
Purepeople: As recentes manifestações ocorridas pelo país vão ser abordadas na nova temporada do "Na Moral"?
PB: Nem precisa. Nas ruas, a gente viu uma discussão sobre valores que estavam no programa do ano passado. Mas é super feliz a coincidência de estrearmos depois desse movimento.
Purepeople: A busca por uma maior moralidade no poder público seria no fundo a grande reivindicação das passeatas?
PB: Pode chamar de moralidade, mas é uma questão de valores. Somos uma ideia de organização social que passa por uma crise de valores há algum tempo. Mas uma coisa deve ser ressaltada nessas manifestações: somos uma democracia madura. Não dá para comparar nossa situação com os protestos da Primavera Árabe (a população foi às ruas no Oriente Médio e norte da África para tirar ditadores do poder). Ao contrário de lá, no Brasil, o poder público jamais ousaria dizer que não é legítimo ir para a rua se manifestar.
(Por Anderson Dezan)