A diversidade vem ganhando espaço nas passarelas e os concursos de beleza também estão a incorporando cada vez mais: prova disso é a estreia de uma candidata trans no Miss Rio de Janeiro Be Emotion 2019. Náthalie Oliveira, de 24 anos, é a representante do município de Bom Jardim, no interior do estado, e também faz sua estreia em concursos com mulheres cis (designação usada quando a pessoa se identifica com o gênero que nasceu). Em conversa com o Purepeople, ela conta sua trajetória até o momento atual. "Comecei em 2013, através do Miss T Brasil, voltado para meninas trans. Me inscrevi para participar por conta da cirurgia que era prêmio do concurso, a participante que vencesse teria direito à cirurgia de CRS, de readequação sexual. Naquela época, eu ainda não entendia muito esse universo de miss, mas queria insistir. Em 2013 participei sem êxito, em 2014, fui um pouco melhor colocada e, em 2015 venci o concurso", afirma Náthalie.
Uma das inspirações para Náthalie foi a espanhola Angela Ponce, primeira candidata trans a concorrer ao Miss Universo. "Infelizmente ela não venceu, mas a gente entende que a Miss Filipinas estava mais preparada naquele momento. Inclusive, foi através da participação dela que eu arrisquei a minha participação no concurso Miss Rio de Janeiro Be Emotion, porque não saberia que iriam aceitar", relata. O processo de transição de gênero - já retratado na dramaturgia com o personagem Ivan da novela "A Força do Querer" - de Náthalie começou na adolescência, depois que ela ganhou por três anos consecutivos as olimpíadas de matemática da escola e levou para casa 3 notebooks. "Quando eu completei 14 anos e comecei a minha transição, sai da igreja, porque era muito tradicional, cheia de doutrinas, como mulheres de um lado e homens do outro", afirma a candidata. Outra questão que Náthalie enfrentou de frente foi crescer em uma cidade do interior: "Foi difícil, até porque eu não tinha inspiração e também não sabia o que eu era. Conforme o tempo foi passando, fui descobrindo outras histórias, outras sexualidades, até então achava que eu pudesse ser gay, que eu acho que pode ser uma percepção comum de toda menina trans que não tem informação. Mas eu via que faltava algo em mim e não tinha acesso a internet, celular, nada disso, por ser de família humilde".
A falta de informação no passado e o desejo ajudar pessoas que não se identificavam com sua identidade de gênero. "No início, a gente erra muito com uma série de transformações que você quer que sejam imediatas. Pra quem é de cidade de interior e as pessoas não sabem como ajudar, fica realmente mais difícil", pondera. Com mais de 15 mil inscritos no Youtube (com o canal Princess Online) e 20 mil seguidores no Instagram, ela viu suas redes bombarem desde que anunciou a participação no concurso de beleza. "Comecei há um ano, porque senti que precisava ficar mais fortalecida para fazer isso. Nos comentários, vejo que as pessoas precisam de alguém por elas, começaram a se juntar para me apoiar. A gente sabe a nossa situação política e social agora. Acho que elas se viram representadas e se uniram", afirma Náthalie, que, se ganhar a fase estadual vai concorrer ao título de Miss Brasil, atualmente com a manaura Mayra Dias, destacando questões abordadas na web: "Contei da minha cirurgia, da minha hormonoterapia, sobre preconceito..."
Com o apoio dos familiares, Náthalie afirma que a aproximação dentro de casa acontece aos poucos. "A minha mãe foi percebendo que aquela realidade da igreja não condizia mais com o que a vida dela e se afastou, vai quando quer. Meu pai de início não aceitou, mas eu fui sendo reconhecida, fui conquistando meu espaço... Acho que ele tinha medo de como ia ser para mim esse momento. Hoje em dia, me dou bem com os dois e considero a minha mãe minha melhor amiga", disse sobre os pais, Marly e Darlei. E, se depender dela, ainda vamos ouvir muito falar de diversidade: "Não gosto de me omitir, porque sei da minha história, das minhas dificuldades e tudo que eu fiz para estar aqui. Sou a favor de que as pessoas sejam ativas na causa, mas entendo as pessoas que não são".
(Por Marilise Gomes)