A segunda parte de "Todas as Flores", novela do Globoplay, estreou nesta quarta-feira (05) e toda a trama da nova fase gira em torno da vingança de Maíra (Sophie Charlotte). Para concluir seu plano, a personagem investiu muito dinheiro em uma cirurgia que devolverá parte de sua visão.
Na trama, Maíra já nasceu com deficiência visual. Ao anunciar que realizaria uma cirurgia, ela não entra em detalhes nem sobre o procedimento e nem sobre o problema que resultou na falta de visão. A personagem se limita a dizer que seu caso é raro e que ela sabia da possibilidade da cirurgia.
É sabido que toda obra de ficção tem a liberdade poética e a escolha por não dar mais informações sobre o caso de Maíra pode ser uma tentativa de evitar passar informações errôneas a respeito do tema. Mas afinal, na vida real, esse tipo de procedimento seria possível?
A deficiência visual tem várias causas e, na grande maioria dos casos, ainda é impossível de ser revertida. O procedimento mais conhecido é o transplante de córnea. Segundo o site da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, trata-se da substituição total ou parcial da parede anterior do olho diante de doenças que atingem a córnea.
Em conversa com o Purepeople, a Dra. Luciana Sendra, especialista em plástica ocular e em oftalmogeriatria, explicou que, longe da ficção, seria extremamente difícil Maíra, que já nasceu com deficiência visual, voltar a enxergar.
"Uma paciente nascida totalmente cega, dificilmente recuperaria a visão com um transplante de córnea na idade adulta. Seria necessário, ao longo dos primeiros anos de vida, estímulo visual para desenvolver a parte do cérebro responsável pela visão, o que não teria ocorrido, gerando ambliopia. A visão é um pouco mais complexa, sendo necessário o funcionamento dos olhos e do cérebro", disse a doutora, que ainda completou: "Se fosse uma cegueira parcial com os dois olhos mais ou menos equivalentes, até poderia acontecer".
Esta cirurgia é recomendada, principalmente, para pessoas que desenvolvem ceratocone, uma doença onde a córnea se projeta para frente, formando uma espécie de cone. Não existem causas definidas da enfermidade, mas fatores como o aporte de colágeno ou o ato de esfregar os olhos frequentemente aumentam os riscos do desenvolvimento. Na maioria dos casos, ela se manifesta entre 10 e 25 anos de idade.
Pacientes com degeneração, cicatrizes e edema da córnea, outros problemas que aparecem ao longo da vida, também podem recorrer ao transplante de córnea.
Ainda em conversa com o Purepeople, a Dra. Luciana explicou que o sucesso de um transplante de córnea depende de diversos fatores. "Tudo depende de como está o resto do olho. A retina, o conteúdo intraocular, se a pessoa teve estímulo visual durante a infância de alguma maneira, por mais que tivesse uma opacidade na córnea... Nesse caso, trocando a córnea, você consegue melhorar. Mas precisa de alguns testes para dar esse resultado", disse a oftalmologista.
Segundo Luciana, uma das consequências do pós-operatório é um astigmatismo residual causado pelos pontos da cirurgia. "À medida em que você vai tirando os pontos, organizando, isso vai regularizando. Mas muitos pacientes com transplante de córnea precisam de lente dura depois para estabilizar essa córnea. Outros podem carregar para o resto da vida, são pontos embutidos, não incomodam. Mas precisa acompanhar durante um tempo para manejar a pressão do olho e ir tirando os colírios", explicou.
Para realizar um transplante de córnea, é necessário que o paciente entre em uma fila e aguarde um doador aparecer. O principal empecilho da realização desse procedimento no Brasil é, justamente, a baixa adesão da doação. "Tem que estimular ao máximo a doação de órgãos. A córnea é um órgão que é muito difícil ter doença contra hospedeiro, ter a rejeição clássica, porque ela não é vascularizada. É um tecido excelente para doação", alertou Luciana.
A doutora ainda destacou a importância de "Todas As Flores" para ampliar tais debates. "Acho legal a discussão na novela pra divulgar a possibilidade de doação de córneas, e estimular essa conversa sobre as múltiplas facetas da deficiência visual", finalizou.