Quem acompanha a carreira de José Mayer na TV e está acostumado a vê-lo na pele de galãs, se espanta com Cláudio, o personagem homossexual que ele viverá em "Império". Mas o que pouca gente sabe é que sua estreia no teatro, há 45 anos, foi com um papel em que dava um beijo gay. "Em Belo Horizonte, em 1969, no seio da tradicional família mineira e nos anos de chumbo, eu estava estreando no teatro em uma peça em que eu beijava um homem na boca", conta em conversa com o Purepeople.
Foi no espetáculo "Futebol, Alegria do Povo" que José Mayer começou sua trajetória nos palcos, em plena ditadura militar, já com uma cena tão polêmica. E esse não foi o único homossexual de sua carreira. "Em 1981 fiz uma peça chamada 'Bent', em que eu era um gay na alemanha nazista. (...) Acho que a função primordial do ator é ser corajoso e vivenciar coisas que a sociedade precisa conhecer e experimentar. Eu exercito isso com grande prazer e isso amplia também as minhas possibilidades como pessoa, a minha capacidade de percepção e compreensão do mundo", ele afirma.
Conhecido pelos papéis másculos e sedutores na TV, Mayer não teve receio de encarar um personagem que é bem casado com uma mulher, mas mantém um romance secreto com um rapaz. "Pelo contrário, eu fiquei desafiado a aceitar o papel. Porque o maior problema na carreira de um ator é a mesmice. E eu já estava um pouco cansado daquela função de sedutor, ainda que mais 'madurão'. Passou essa fase e é bom que venha um novo caminho, um novo desafio, é uma renovação boa para mim e também para o espectador", garante.
E toda a repercussão provocada pelo anúncio de que o "pegador" da ficção vai interpertar um gay que não sai do armário é encarada com bons olhos pelo artista: "A gente sabe que pode causar algum rumor, algum ruído, mas é bom que cause. Porque é uma ruptura de papel e de função, é natural que o público perceba essa diferença. Eu fico muito satisfeito porque acredito que o conteúdo desse personagem é rico e a realidade que ele vai retratar precisa ser mostrada na televisão. Tenho uma expectativa muito grande e acho que há uma grande possibilidade de identificação por parte do público", comenta.
Beijo gay X TV conservadora
Mesmo sendo de uma das gerações veteranas da teledramaturgia, José Mayer tem um discurso favorável à liberdade sexual. "Todo mundo é livre para ter o comportamento que deve ter. Há preconceito, e as minorias são de fato perseguidas, mas a tendência é que isso mude e que a aceitação dessas diferenças dessas escolhas, sobretudo no que diz respeito à sexualidade. Isso com o tempo vai ser absorvido e aceito. A moral também é uma coisa que se modifica com o passar dos anos, felizmente".
Perguntado sobre as chances de beijar o colega de elenco, Klebber Toledo, em cena, o ator descontrai: "As pessoas se beijam, não é? Os homossexuais, homens e mulheres se beijam... Até os animais se beijam! É como aquela canção de Cole Porter: 'todo mundo faz'". E, prestes a fazer parte do terceiro casal homossexual consecutivo no horário nobre da Globo, ele acredita que essa representatividade veio para ficar nas novelas.
"A televisão, por ser um veículo de grande alcance tende a ser muito mais conservadora. Só a igreja é mais conservadora que a TV. Mas até igreja tem se movido em relação à homossexualidade. Você vê que o Papa Francisco tem outra percepção das relações homossexuais. E mesmo sendo conservadora por natureza, a TV terá que se abrir para esse universo", pondera.
(Por Samyta Nunes)