Não existe nada mais relativo que o conceito de tempo - as diferentes definições dadas por diversas áreas da ciência provam isso. Se para muitos, a chegada de um novo tempo pode representar rupturas e transformações, para Zezé Di Camargo e Luciano, os novos tempos vêm acompanhados de uma comodidade muito confortável com o passado - ou melhor, com um dos legados mais importantes da música brasileira nos últimos tempos.
Foi com um atraso de 35 minutos que os irmãos subiram ao palco do Qualistage na última sexta-feira (09) para apresentar o concerto "Novos Tempos". A tradicional casa de shows do Rio de Janeiro, que completa 30 anos de fundação em 2024, já recebeu os artistas cerca de 50 vezes. Sem um trabalho inédito há 7 anos, com um momento de dúvidas do público quanto ao futuro da dupla e menos de um ano após o último show, os sertanejos lotaram o espaço que comporta até 9 mil pessoas.
O segredo do sucesso de 33 anos é simples e complexo ao mesmo tempo. "Eu acho que é gravar música boa, repertório bom, música que fica na cabeça e na memória das pessoas. A gente não grava modinha, a gente não grava música chicletinho, a gente não grava música de TikTok. A gente grava música que as pessoas ouvem hoje com emoção e, daqui a 20 anos, vão ouvir com a mesma emoção", avalia Zezé, compositor dos maiores clássicos da dupla e um dos maiores recordistas de arrecadação de direitos autorais no Brasil.
Músicas presentes na memória dos brasileiros não faltam na setlist de "Novos Tempos". Da abertura com "Saudade Bandida" ao encerramento dançante com "Mexe Mexe Que é Bom", passando pela euforia da sequência dos megahits "É o Amor" e "No Dia Em Que Eu Saí de Casa", o show resgata canções que se confundem com a ascensão do sertanejo ao posto de ritmo mais popular do país.
Condensar uma história tão rica em uma apresentação de quase duas horas, conta Luciano, não é tarefa fácil. "Nós poderíamos fazer quatro shows numa noite sem repetir nenhuma música. Porque nós temos, entre primeiro e segundo lugar, mais de 99 músicas. Então, pode parecer fácil, mas é difícil porque você tem que escolher dentro desse montante de mais de 100 músicas a nata da nata. Zezé Di Camargo e Luciano têm o privilégio de ser a dupla mais regravada do Brasil", afirma o cantor.
Os novos tempos dos sertanejos vêm, também, com projetos solos que ganham cada vez mais força. Zezé roda o Brasil com o espetáculo acústico "Rústico", que, hoje, chega a ultrapassar o número de shows da dupla na agenda mensal do cantor.
Zezé viveu uma maratona de compromissos seguidos na semana da apresentação no Qualistage. "Gastando pra caramba com jatinho (risos). Quinta, eu fiz em Novo Planalto sozinho, voei pra cá [Rio de Janeiro] hoje de manhã, fiz show aqui hoje, sábado eu faço show no Rio Grande do Sul e, depois, volto pra Goiás pra fazer outro show. Então, são quatro shows: dois com a dupla e dois sozinho. Então, cara, é malhar todos os dias, dormir bem, descansar bem", divide.
A rotina exaustiva pode explicar algumas falhas na voz de Zezé durante o espetáculo, tema que persegue o cantor nos últimos 15 anos. Apesar de ter apresentado vocais impecáveis na maior parte do show, houve momentos em que o versos saíram roucos ou desafinados. Um fenômeno compreensível para quem, aos 61 anos, ainda faz 16 apresentações mensais. No entanto, são esses fragmentos que viralizam na web e colocam em dúvida a capacidade do sertanejo em sustentar notas tão altas.
Mas Zezé não precisa mais se provar e reconhece que sua carreira segue a todo vapor por demanda do público. "É só sentir que o povo quer você. Porque não adianta você querer e o povo não querer. Agora, quando você sente que isso é recíproco, não tem como fazer diferente. Eu digo sempre que o carinho das pessoas e aquilo que as pessoas sentem pela gente, com certeza, são o combustível que move a nossa carreira, não tenha dúvida", reflete.
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Já Luciano se lançou como cantor gospel - o novo single da carreira cristã, "Sem Palavras", chega às plataformas no próximo dia 15. O artista recebeu a imprensa com uma blusa com o nome de Jesus em diversas línguas, mas afastou a possibilidade de abandonar a música dita "mundana". "O fato de eu cantar sertanejo não invalida o homem cristão que eu sou", ele repetiu algumas vezes.
Do sertanejo, Luciano afirma que trouxe o profissionalismo para agregar em sua carreira gospel. "Eu só me coloco aos pés da cruz e falo: 'Jesus, é contigo'. Seja feita a vontade Dele. Não é a minha vontade. Eu só sei de uma coisa: se eu faço pro mundo com excelência, pra Jesus, eu tenho que fazer como? Por isso, eu trouxe esse profissionalismo, que é a única parcela que eu poderia dar nesse trabalho e que foi aquilo que Deus colocou de melhor em mim, que foi a minha voz", afirmou.
O sucesso das carreiras solos e as rotinas independentes nos bastidores, naturalmente, criam rumores na mídia e preocupação entre os fãs. Os cantores não dividem camarim, chegam e vão embora separados e, pelo menos, no Rio, não cumpriram a agenda de imprensa juntos. Luciano atendeu os jornalistas e os fotógrafos antes do show, enquanto Zezé o fez no final, além de cumprimentar uma fila enorme de fãs e espectadores famosos, como a atriz Narjara Turetta e o deputado federal Aécio Neves.
Algumas interações no palco entregam a diferença de personalidades dos filhos de Francisco, mas expõem, também, que a relação pessoal vai muito bem, obrigado. Em um dos momentos em que falou de sexo, Zezé tirou sarro de Luciano como qualquer irmão mais velho faria em um almoço de família.
"Não gosto de falar isso porque o Luciano agora é crente", brincou o cantor. "Minha conversa não é com você, minha conversa é com o Altíssimo", rebateu Luciano. "A última coisa que a gente pode falar é sobre altíssimo", respondeu Zezé, em referência à baixa estatura da dupla - com 1,65 m, ele conseguiu a proeza de ser um centímetro maior que o irmão caçula.
O que os novos tempos reservam para o futuro da dupla pode até ser misterioso. O que está explícito agora é que, finalmente, eles sobem ao palco para aproveitar e celebrar tudo aquilo que construíram ao longo das últimas três décadas, longe da pressão de repetir o sucesso do auge.
Em sua primeira interação com o público na noite da última sexta-feira, Zezé mostrou que compreende que a dupla alcançou um patamar que nenhum número de plataforma de streaming pode mensurar: "A gente não faz mais show, a gente faz encontro. Porque as pessoas que vão aos nossos shows têm a gente no coração".