Após 31 anos na TV Globo, Carlos Lombardi estreia no próximo dia 25 de setembro na Record, com "Pecado Mortal". Autor de vários sucessos no horário das 19h, como "Quatro por Quatro" (1994) e "Uga Uga" (2000), ele tem agora o desafio de escrever para a faixa das 22h. "Queria fazer algo mais dramático, com uma pegada mais séria. Meu jeito de contar uma história continua igual, mas o horário me permite ir mais fundo em questões inadequadas ao horário livre", diz ele, em entrevista ao Purepeople.
"Pecado Mortal" se passa no Rio de Janeiro dos anos 70 e mostrará a ascensão do tráfico de drogas nas favelas da cidade, tomando o lugar do jogo do bicho. Os protagonistas serão Fernando Pavão e Simone Spoladore. Nomes que já trabalharam com Carlos Lombardi na Globo também estão na trama, como Betty Lago, Mário Gomes e Cláudio Heinrich. Sophia Abrahão e Mel Fronckowiak recusaram papéis na novela, conforme o próprio autor confirma. "Não sou ninguém pra julgar quem me diz não. Cada um sabe de sua vida", avalia ele, sem polemizar.
Se o tom de "Pecado Mortal" vai ser mais sério, se afastando de comédias como "Bebê a Bordo" (1988), uma marca registrada de Lombardi, no entanto, está mantida na nova novela: os galãs desfilando sem camisa. Mas, em novo horário, ele vai além. "Temos também as descamisadas. São as meninas do núcleo do strip-tease", provoca. Confira a entrevista.
Purepeople: O que motivou sua saída da TV Globo? Teve ligação com o fato da novela que você havia escrito para a emissora – "João ao Cubo" – ter sido reprovada?
Carlos Lombardi: Não. "João ao Cubo" estava no limbo, ou seja, nem aprovada e nem reprovada. Enquanto isso, a Record me acenava com uma novela em outro horário, a ser dirigida pelo (Alexandre) Avancini e editada pelo PH (Paulo Henrique Farias), profissionais que adoro. Não saí da Globo no sentido de decidir deixá-la. Apenas optei pelo projeto que poderia desenvolver na Record.
Purepeople: Por que escreveu "Pecado Mortal"?
CL: Queria escrever algo mais dramático, com uma pegada mais séria. Meu jeito de contar uma história continua igual, mas o horário me permite ir mais fundo em questões inadequadas ao horário livre. Não vou ter que dourar ou disfarçar a violência, por exemplo. Com sensualidade a mesma coisa, mas no padrão possível. Afinal, é uma novela na TV aberta, não é HBO (canal por assinatura).
Purepeople: O rótulo de autor das 19h te incomodava?
CL: O rótulo ou o horário nunca me incomodaram, mas tinha medo de me repetir. E me repetir de uma maneira aguada, já que o Ministério Público anda cada vez mais restritivo na questão da classificação indicativa.
Purepeople: Hoje em dia, "Quatro por Quatro" não seria autorizada para o horário das 19h. A sociedade está mais careta atualmente do que há 20 anos?
CL: A sociedade, nem tanto. O governo, com certeza. Mais careta e sem pudor de intervir. Acho isso tolo, inútil e um baita desperdício de dinheiro público.
Purepeople: O governo afirma que a classificação indicativa não deve ser confundida com censura. A iniciativa serviria apenas para orientar os pais sobre o que deixar os filhos verem na TV.
CL: A classificação é impositiva, não uma recomendação. Uma coisa é a novela passar como é feita e na frente uma indicação "não recomendada para menores de 14". Não é o que acontece. Se um produto recebe essa indicação é proibida antes das 21 horas. Isso é censura. Pode ser com calda de chocolate, mas é censura. Acho o discurso autoritário, mesmo que falado de maneira mansa.
Purepeople: E a frequência dos descamisados na sua novela vai aumentar por causa do novo horário?
CL: Nem aumentar e nem diminuir. Vai ter o que for normal para uma cidade quente como o Rio num calor que historicamente foi de lascar. A diferença é que às 22 horas temos também as descamisadas. São as meninas do núcleo do strip-tease.
Purepeople: Como surgiu essa opção por sempre mostrar descamisados em suas novelas?
CL: Comecei a partir do incômodo que sentia ao ver novelas em que as pessoas do subúrbio pareciam mais vestidas que dinamarqueses no inverno. Não tinha nada a ver com a realidade tropical, cheia de mulheres de top e shortinho e homens sem camisa no dia a dia. Agora que quase todos meus colegas seguem essa tendência vou desistir por quê?
Purepeople: Considera oportunista essa overdose de abordagem da classe C em novelas?
CL: Não acho oportunista. Só acho que tudo que é demais enjoa. 'Pecado Mortal' trabalha com um corte variado. Tenho bicheiros ricos, classe média alta de Ipanema, classe média remediada de Copacabana, a turma do bairro de Marechal Hermes e a turma da favela.
Purepeople: Alguns jornais afirmam que os investimentos futuros no setor de dramaturgia da Record dependem do sucesso de "Pecado Mortal". Você se sente pressionado por audiência?
CL: Por enquanto, ninguém me cobrou nada. Também não tenho grandes expectativas de audiência. TV é hábito. Espero poder elevar a audiência, mas num trabalho diário e obrigatoriamente lento. Meu objetivo é reconquistar o público estável da Record de três anos atrás, por volta de 11 pontos. Mas não será de um dia para o outro.
Purepeople: É verdade que a Sophia Abrahão e a Mel Fronckowiak recusaram papeis na novela?
CL: Sim, ambas recusaram. É da vida. Acredito que o foco delas estava em coisas fora da Record. Já a Lua (Blanco), colega delas em 'Rebelde', pediu pra fazer teste. Fez e ganhou o papel por ela mesma. Não sou ninguém pra julgar quem me diz não. Cada um sabe de sua vida.
Purepeople: E a situação envolvendo a Bianca Rinaldi ? Ela seria sua protagonista, mas não renovou com a Record. Havia escrito o papel pensando nela?
CL: Escrevi os primeiros três capítulos com a Bianca escalada. Estava direcionando o papel para ela. Quando foi impossível contar com ela, achei uma pena, pois gosto da Bianca, mas são coisas que acontecem. Procuramos no elenco da Record, chegamos à conclusão que a melhor escolha seria Simone Spoladore.
Purepeople: Você pediu à Record a contratação de algum ator?
CL: Não pedi contratações, mas indiquei alguns atores que já estiveram na Globo e estavam sem contrato ou com contrato acabando. De memória cito Juliana Didone, Bianca Byington, Daniel del Sarto e Tatiane Goulart. O Daniel e a Tati ganharam os papéis fazendo teste. Gosto muito deles e estou satisfeito que tenham vindo.
Purepeople: Para encerrar, "Pecado Mortal" é uma novela que vai causar inveja na Globo? Vai despertar o sentimento: "como deixamos esse autor escapar"?
CL: Absolutamente não. A Globo é a líder de mercado e não vou fazer a mínima falta. A Globo tem trocentos autores trabalhando lá. Se tudo der certo, vamos fazer uma boa novela, só isso. O que já é um desafio e tanto. Também não acho que a Globo seja meu público alvo.
(Por Anderson Dezan)